sábado, 28 de maio de 2011

Um sorriso Da Vinci

Não eram nem cinco horas da manhã e a casa da árvore já estava toda acesa. Um cheiro de cabelo queimado rescendia por toda floresta. Os esquilos não conseguiram dormir, pois a catinga de cabeleira frita entrava nos focinhos fazendo-os espirrarem sem parar. Esquilo Jr. espirrou tanto que perdeu as penugens e o pequeno topete que lhe enfeitava a cabeça foi trocado por uma careca esquisita.

E não pense que o problema era só o cheiro, o som da música "Rios da Babilônia" interpretada por Perla ressoava do outro lado da floresta. A casa das Fuinhas retumbava tanto devido a altura do volume que o ninho de cacatuas foi pro beleléu.



- Olha aqui sua geringonça falante, se perdemos esse concurso você será a culpada! – esbravejou Fuly rebolando no ritmo da música

- Mais Fuly eu to ficando muito esquisita!

- Ficando o que? Você já é!

Quem chegasse ali iria ter a certeza de que Fuly era uma cabeleireira de primeira mão. Ela tentava alongar ao máximo as madeixas de Marin, e para isso não poupou esforços. Passou uma mistura de gel, pomada e mousse nos cabelos de sua cobaia e com a chapinha puxava tudo para baixo . Pelligonha mantinha os olhos fechados com receio de ver no que Marin estava se transformando.

Harley fantasiada de mamãe eu sei maquiar, pegou o conjunto de maquiagem que haviam comprado quando foram visitar Wandinha que fora presa na fronteira do Paraguai por trazer muambas no teco-teco e foi maquiar Marin.

Eram mais de 25 cores de sombras, 10 tipos de blush, 50 cílios postiços enfim uma infinidade de opções para transformar qualquer ser numa princesa ou em um monstro.

- Você pode me dizer porque que toda hora que peço para você olhar pra cima você faz justamente ao contrário?

- To nervosa, e quando fico assim faço tudo ao contrário.

- Tudo bem então! Olhe para baixo! – exclamou Harley

Marin olhou para cima e Harley pode finalmente passar a sombra negra. Passou tanta sombra, mais tanta sombra que mesmo que Marin quisesse mexer as pestanas seria muito difícil.

- Harley meu olhos tão pesados...

- Continue olhando para baixo – retrucou Harley

Pegou a sombra cinza e deu uma luminosidade sobre a escuridão dos olhos. Agora chegara a parte mais difícil, a boca. Harley foi até a mesinha do centro e leu novamente o regulamento do concurso “Crie sua Monalisa e participe do concurso seu sorriso vale VINCI milhões de euros”.

“Para participar basta recriar a obra mais famosa do mundo, Monalisa de Leonardo Da Vinci. É necessário manter os traços da musa de Da Vinci porém o sorriso tem que ser inédito.”

- Fuly?! – chamou Harley

Olhou para todos os lados e viu que Fuly estava debaixo da cadeira de Marin puxando todos os seus cabelos. Era realmente uma escova agressiva.

- Fuly você não acha que o cabelo dela está mais liso do que da Monalisa? Ela tá parecendo a Mortiça da Familia Adams.

- Cala boca sua inxirida! Não pedi sua opinião!

- Fula que faliu! Com essa aparência mórbida o máximo que podemos ganhar é o prêmio Morimbunda do Ano.

Fuly havia puxado tanto o cabelo de Marin que a coitada estava empinada para trás. Como aquelas mulheres grávidas que andam com a barriga pra frente.

Pelligonha depois de ouvir os comentários colocou até as asas sobre os olhos para não correr o risco de ver o estado de Marin. Tinha medo de morrer de infarto.

Depois de conferir que Marin não dava conta de manter os olhos abertos devido a overdose de sombra nas pestanas, Harley não pensou duas vezes e catou um óculos estilo Elvis Presley que haviam comprado no camelódromo Chinão e colocou na candidata a Monalisa.

- hahaahahahahah....hahahahahaha...sabe quem ela ficou parecendo? – perguntou Fuly caindo na risada

- Não nem tenho tempo pra saber! – respondeu Harley ajeitando os óculos emMarin

Agora só faltava o principal, o sorriso. O relógio corria assim como Harley e Fuly que iam de um lado para outro tentando descobrir um novo sorriso, quando de repente como se por obra do destino Esquilo Jr. apareceu na janela.

- Já sei! – exclamou Harley olhando para o animalzinho dentuço, sem pêlo e sem topete.

Pegou um pouco de algodão, e passou sobre a gengiva superior de Marin. Sua intenção era embutir o lábio de cima sobre a gengiva deixando os dentes as mostras. Mexeu aqui, sungou ali, puxou acolá, passou uma mãozada de cal sobre os dentes de Marin para deixá-lo brancos deu mais uma olhada e voilá, a versão Monalisa das Fuinhas estava pronta.

Fuly não se conteve, ria tanto que tinha espasmos, chegou a ficar roxa de tanto que engolia fôlego.

- O júri vai ter “Aversão da Monalisa” depois que ver Marin! – disse gargalhando.

Harley pegou Marin pelos braços, colocou-a na Kombi e tomou seu lugar ao lado de Fuly que acelerava a Kombi como se estivesse pronta para iniciar a corrida.

- Que carvalho! A primeira não quer entrar!

Fuly tentou a primeira, a segunda, a terceira, a quarta a quinta marcha e nada da Kombi sair do lugar.

Sem pensar muito colocou na ré e lá foram elas rumo ao Centro Cultural Pintalsilgo. Fuly esperneava sobre o acelerador achando que dessa maneira a Kombi poderia ir mais rápido, mas o fato é que estando de ré o máximo que conseguia era 15km/h.

- Porque estou tendo a sensação que estamos andando pra trás? – balbuciou Marin

- É melhor ficar calada se não vai ter a sensação que já morreu! – respondeu Fuly

Os tronco-oquenses que viam as fuinhas passar não entendiam patavina. Uma Kombi de ré com duas fuinhas olhando para trás e uma pra frente era algo um tanto quanto esquisito.
Uma fumaceira preta começou a sair do escapamento da Kombi.

- A Kombi vai explodir! – exclamou Harley olhando a temperatura

- Santo bombeiro da mangueira entupida, porque estou tendo a sensação que vamos estourar? – balbuciou Marin

- Se continuar com essas perguntas cretinas vou te matar antes dessa geringonça explodir. – gritou Fuly

O calor interno da Kombi estava mais de 60°. Fuly pisou fundo e entrou com tudo dentro do lago.

- Se não morrermos afogadas seremos devoradas pelas piranhas. – exclamou Harley ao ver onde a Kombi estava entrando

Uma multidão que acompanhava as fuinhas seguiram para o lago para ver como elas conseguiriam escapar do lago mais temido da floresta, o lago vermelho das piranhas pretas.

A Kombi começou a afundar, e já podiam se ver borbulhas aparecendo no local.

- Meu Deus! As Fuinhas serão devoradas pelas piranhas! – gritava uma senhora que metia a bengala no lago achando que com isso poderia ajudá-las

As pessoas nem mexiam. Aguardavam algum sinal. Até a natureza congelou, os urubus que tinham cadeira cativa ali no lago pararam em pleno vôo na expectativa de um jantar diferente.

Passaram alguns minutos e várias piranhas começaram a boiar.

- Santo pescador das causas perdidas, as piranhas estão mortas.

Mais de 200 piranhas boiavam na beira do lago e em meio a elas as fuinhas surgiram alegres e sorridentes, pois graças a fantasia e a dentição de fora de Marin as piranhas tiveram tanto medo mais tanto medo que morreram de susto.